29 maio, 2012

O problema não é perdoar. É confiar de novo. E isso não me podes pedir.
Já te aconteceu apetecer-te chorar por estares feliz?

24 maio, 2012



«Nascemos todos com vontade de amar. Ser amado é secundário. Prejudica o amor que muitas vezes o antecede. Um amor não pode pertencer a duas pessoas, por muito que o queiramos. Cada um tem o amor que tem, fora dele. É esse afastamento que nos magoa, que nos põe doidos, sempre à procura do eco que não vem. Os que vêm são bem-vindos, às vezes, mas não são os que queremos. Quando somos honestos, ou estamos apaixonados, é apenas um que se pretende.Tenho a certeza que não se pode ter o que se ama. Ser amado não corresponde jamais ao amor que temos, porque não nos pertence. Por isso escrevemos romances — porque ninguém acredita neles, excepto quem os escreve.Viver é outra coisa. Amar e ser amado distrai-nos irremediavelmente. O amor apouca-se e perde-se quando se dá aos dias e às pessoas. Traduz-se e deixa de ser o que é. Só na solidão permanece. […]Tenho o meu amor, como toda a gente, mas não o usei. Tenho também a minha história, mas não a contei. O romance que escrevi, escrevi-o para quem não quer saber dos amores ou das histórias de ninguém. Não contei nem inventei nada. Não usei nem pessoas nem personagens. Fugi. Quis mostrar que pertencia ao mundo onde o amor, como as histórias e os romances, existem só por si. Como se me dirigisse a alguém. Outra vez.É sempre arrogante e pretensioso escrever sobre uma coisa que se escreveu. Apenas posso falar do que foi aminha vontade: escrever sobre o amor, sem traí-lo, defini-lo ou magoá-lo; deixando-o como era, antes da primeira palavra que escrevi. Seria inadmissível pôr-me aqui a cismar se consegui ou não fazer o que eu queria. Como seria dizer que não sei. Sei. Sei que não consegui. Só espero não tê-lo conseguido bem.»

Miguel Esteves Cardoso in "O amor é fodido"
Já perdi coisas só pelo medo de perder.

21 maio, 2012

Queria jogar ao esconde-esconde contigo. Emprestar-te as minhas roupas e dormir com as tuas. Esperar por ti, enquanto tomas banho e te perfumas. Massajar o teu pescoço e falar-te ao ouvido, perto mas não muito. Beijar as pálpebras dos teus olhos enquanto dormes e sentir o teu respirar no meu peito. Ligar-te ao final do dia e contar-te cem histórias com mil exemplos. Rir-me daquilo que dizes. Da tua loucura. E da minha, também. Ver filmes contigo no sofá da tua sala e enrolar-me no teu cobertor preferido antes de adormecermos. Às vezes quero-te pela manhã. Pela tarde e pelo fim do dia. Mesmo que não me deixes dormir até às 17. Acho que adoro quando fico aí. Gosto do teu olhar e de te olhar. Gosto de te querer quando te cheiro. Gosto de sentir a tua pele na minha pele. E de te abraçar quando te magoam. De te irritar quando faço parvoíces e quando não as faço também. Gosto quando tenho calor e tu tens frio. E quando te tapo com o cobertor a meio da noite. Ou quando te sufoco. 
Fico preocupada quando ficas muito tempo sem me dizer nada. E sinto-me impotente quando estás triste. Sonho em dançar para ti e reatar contigo sempre que existam falhas de comunicação. Porque acontece arrepender-me quando estou errada. E desejar que voltes atrás quando és tu a estar. Mas fico desarmada sempre que sorris. E mesmo sabendo que às vezes não dou o melhor de mim, gosto de ti. E não mereces menos que isso. Deixa-me chegar perto e, de alguma forma, partilhar contigo o irresistível, o insensato, o incondicional, o poderoso, o envolvente, o enredo que conseguirmos criar. Deixa-me saber quem és. E que possas saber quem sou. Agora. Porque o amanhã, o amanhã pode nem existir.

20 maio, 2012

"Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está? As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar. É preciso aceitar esta mágoa, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si, isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução. Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha. Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado. O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar. "


Miguel Esteves Cardoso, in Último Volume.